quinta-feira, 26 de março de 2009

ABORTO DE ANENCÉFALOS

Luiza Torres (05 de abril de 2005, Tribunal de Justiça da Bahia)


A discussão sobre o aborto em casos de anencefalia ou defeito no tubo neural (ausência de cérebro) tem causado muita polêmica nos meios jurídico, religioso e médico. De um lado a crença religiosa e o emocional, que proíbem a interrupção da gravidez mesmo em casos de risco de morte da mulher, do outro, a medicina e o jurídico, que concordam que a permanência do feto no útero materno pode gerar perigo para a mãe.

Em julho do ano passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio de Mello, concedeu uma liminar à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), autorizando o aborto em caso de fetos anencefálicos, decisão bastante contestada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O desembargador Raimundo Queiroz, católico apostólico romano, condena o aborto mesmo em caso de ausência de cérebro. A Igreja proíbe este tipo de intervenção médica, porque considera que a vida começa na concepção, no momento em que Deus coloca a alma naquele ser, afirma. Explica que o artigo 128 do Código Penal brasileiro só permite o aborto em duas situações: quando há risco concreto para a gestante, conhecido como aborto necessário ou terapêutico, e no caso de estupro, denominado de humanitário ou sentimental.

No caso da anencefalia, o Código Penal permite o aborto, porque o feto anômalo põe em risco a vida da gestante. Este tipo de interrupção seria denominado de necessário ou terapêutico. "Sou católico e devo seguir o que prega minha religião. Ninguém pode tirar a vida do outro, independentemente de qualquer coisa", diz o desembargador, esclarecendo que a mulher que aborta fora das duas possibilidades citadas pelo Código Penal pode responder a um processo judicial.

Em contraponto ao Código Penal, está o Código Civil, que, no artigo 2º, diz que a personalidade civil da pessoa começa no nascimento com vida, mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nacituro. Segundo Raimundo Queiroz, o Código Civil segue os dogmas da Igreja, lembrando que há dois pontos nesta discussão: o religioso e o jurídico. O religioso nunca faz distinção sobre a origem da vida, se pode ou não o ser que está no ventre causar dificuldades para a saúde da mulher. Já o Código Penal permite o aborto no caso de anencefalia, se isso representar risco de morte para a mãe.

Para os profissionais de medicina, o assunto deveria ser repensado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com o presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia da Bahia (Sogiba), Jorge Luiz Sapucaia Calabrich, os fetos anencefálicos só vivem enquanto estão ligados ao cordão umbilical. "No momento em que nasce, a morte é uma certeza. Não há perspectiva de vida. Esse bebê não tem apenas uma má-formação comum, ele não possui cérebro, portanto não tem controle das funções vitais. É um ser condenado à morte", esclareceu Calabrich. Ele afirma que as mulheres podem ter vários problemas, além do risco de morte, como o psicológico.

"Imagine uma mulher com um feto sem cérebro: vai sentir os mesmos sintomas de uma gravidez normal, mas também vai passar toda gestação consciente de que o filho vai morrer assim que nascer". Na opinião Calabrich, a discussão sobre o tema ainda não amadureceu, pois a maioria dos médicos se deixa levar pelo emocional. Na Bahia é comum ocorrerem abortos devido a anencefalia. Quando houve a liminar do STF, mais de 100 mulheres puderam interromper a gravidez sem o parecer da Justiça, embora tivessem que comprovar a anencefalia fetal. Atualmente, isto só é possível com autorização jurídica.

A anencefalia ou defeito no tubo neural ocorre com maior incidência na classe de baixa renda, por causa dos hábitos alimentares. O tubo neural do embrião não se fecha para formar a medula espinhal e o cérebro. Quando isto acontece, o resultado é a ausência de cérebro e morte em poucas horas ou dias. Para combater a doença, a mulher, antes e durante a gestação, deve ingerir alimentos que contenham ácido fólico, como fígado, espinafre, salsinha, beterraba crua, amendoim e gérmen de trigo. "Para mim, a ausência de cérebro em fetos é um caso de saúde pública. Os órgãos públicos poderiam criar uma política de assistência para essas mulheres de baixa renda", opina o obstetra.

O ácido fólico não é caro e pode ser colocado na massa do pão e em carnes vermelhas ou brancas. Todas as mulheres em idade fértil e que podem engravidar devem tomar 0.4 mg de ácido fólico. As que tiveram um filho afetado com ausência de cérebro correm um risco 10 vezes maior de terem outro com o mesmo problema.

DISCUSSÂO - O Supremo Tribunal Federal (STF) vai discutir o assunto do aborto em casos de feto anencefálicos até o final deste mês, quando a questão será julgada em definitivo. Para a desembargadora Sílvia Zarif, a decisão de abortar ou não deve ser da mulher. De repente, a gestante pode achar doloroso interromper a gravidez e querer que o bebê nasça mesmo sabendo que ele logo morrerá. "Se eu estivesse nesta situação, com certeza não saberia o que fazer. Depende da consciência de cada uma", afirmou.

A desembargadora Maria José Sales Pereira concorda que a mulher deve ter o livre arbítrio para decidir sobre a gravidez, pois é ela que sente as dores e tristezas de saber que tem um feto anômalo. Também no seu entendimento, o médico tem que ter liberdade para escolher se quer ou não realizar o aborto. "Às vezes, ele é católico ou então quer seguir o lado emocional e se recusa a impedir o nascimento do feto anencefálico".

Para o desembargador Eserval Rocha, cada caso é um caso e deve ser analisado atentamente antes de qualquer decisão. Já o desembargador Rubem Dário, do ponto de vista religioso, é contra o aborto. Mas, do jurídico, disse que o caso tem que ser examinado, alegando, entretanto, que isto não pode servir de desculpa para outros tipos de abortos. O desembargador Mario Hirs defende que a mulher deve decidir acerca da gravidez, mas, para ele, o aborto é crime. Revelou que as mulheres de baixa renda são as mais condenadas pelo ato de abortar, porque procuram as "aborteiras", enquanto as de classes média e alta, que recorrem aos médicos, continuam abortando e não são processadas.

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